sexta-feira, 16 de abril de 2010

LUTA DE MÃE; MINHA FILHA NASCEU COM 450 GRAMAS

Luta de mãe: Minha filha nasceu com
450 gramas

Conheça a história de Ana Paula, que foi surpreendida pelo nascimento da filha com apenas seis meses de gestação

Carina Martins, iG São Paulo | 16/04/2010 16:38

Quando ficou noiva, aos 37 anos, Ana Paula Badollato não pôde deixar de se perguntar se teria dificuldades para engravidar. Perguntou também para seu médico. “Estava preocupada e não estava”, diz ela, que já era mãe de um menino de 11 anos na época. O doutor, por sua vez, não estava. Ana Paula foi tranquilizada e até começou a planejar suas viagens a trabalho de modo que estivesse em casa durante os períodos férteis. Nem precisou usar o roteiro: no dia do casamento, o vestido estava estranhamente apertado. Dez dias depois, fez o teste e estava grávida. “Não esperava que fosse ser tão rápido”, conta sorridente.

O médico tinha razão a respeito da fertilidade de Ana Paula. Mas a lição que ela aprendeu dele veio das afirmações que o profissional fez e não se confirmaram. E, especialmente, das consequências que elas causaram. “O complicado foi que eu confiei plenamente, porque até então eu achava – tenho uma opinião diferente hoje – que médico era para confiar 100%. Na primeira gestação tive pré-eclâmpsia, e meu filho nasceu com 8 meses e restrição de crescimento. E ele falava para mim que na segunda gravidez nunca acontece isso. Era categórico”, diz.

Foto: David Santos Jr / Foto Arena

Ana Paula Badollato, 40, resolveu contar a história de sua filha para alertar outras mulheres sobre a importância do pré-natal

A mesma tranquilidade que o médico passou para Ana a respeito de suas chances de engravidar foi repetida quando ela falou sobre suas preocupações em relação à gravidez que já estava em andamento. Com o aval do obstetra, ela viveu uma gestação sem restrições ou cuidados especiais. Viajava de avião com frequência, ingeria sal, nunca fez exames para diabete gestacional e só media a pressão nas consultas de pré-natal, que ele agendava com intervalos de até dois meses. Hoje, ela acredita que a conduta dele e sua confiança cega no profissional foram os maiores responsáveis pela precoce e complicada saga de Maggie, sua filha que nasceu com apenas 26 semanas de gestação e 450 gramas de peso. Para evitar que outras mulheres passem desnecessariamente pelo que passou, resolveu contar sua história.

Resolvendo o nascimento

O pré-natal estava em dia, e a consulta seguinte só aconteceria após um intervalo de dois meses. “Estava em São Paulo trabalhando e fiquei superinchada. Mas tudo eu achava que era normal, porque o médico tinha falado que eu estava bem. Mesmo assim, minha mãe insistiu para que eu fosse ao hospital para pelo menos checar a pressão. Estava altíssima”. Além disso, ela diz que o ultrassom agora indicava “fluxo centralizado”, ou seja, incapazes de nutrir o feto de forma ideal, os vasos se concentravam em pontos vitais como cérebro e pulmão. Com isso, a bebê que um mês antes estava normal, apresentava agora uma severa restrição de crescimento, com menos de metade do tamanho esperado para a idade. O hospital acabou se tornando sua casa pelos seis meses e meio seguintes.

As palavras que ouviu de seu obstetra desta vez não tinham nada de tranquilizadoras. O que ele disse definiu a gravidade do caso: “Precisamos resolver essa gestação”. Resolver foi o verbo encontrado para dizer que fariam um parto sem expectativa de filho.

Depois de três dias de aplicações de corticóide para acelerar o desenvolvimento dos pulmões do bebê, a gestação foi “resolvida”. Enquanto obstetra e assistente discutiam os gols da rodada, Maggie nasceu. “Ela nem chorou, quer dizer, ela deu um ‘miadinho’. Maggie respirou quando nasceu, o que foi incrível”, conta. Em três minutos, foi entubada, o que evitou danos ao cérebro por falta de oxigênio e deu início à parte feliz do relacionamento de Ana Paula com (outros) médicos. Mas o risco estava longe de ter passado. “Meu médico mesmo me deu pouquíssimas esperanças. E ainda disse que era melhor eu não ter mais filhos”, diz. “Meu marido nunca duvidou de que ela viveria, mas eu sim.” Ana Paula só iria poder segurar sua filha no colo pela primeira vez mais de três meses depois. “Só me deixaram ver minha filha no dia seguinte. Eu suei frio, minha pressão baixou. Ela era do tamanho da mão do pai dela.”

A partir daí, o obstetra ficou para trás. “Ele que fez o parto. Não o tinha considerado negligente até então, porque é tudo muito rápido. Só consegui pensar e perceber depois”, explica ela. “Afinal, uma semana antes estava tudo normal, eu tinha ido viajar com meu marido e meu filho. Não estava esperando. É tudo tão repentino. Os pais de prematuros não estão preparados ainda, porque ainda não completaram o ciclo da gravidez.”

Os médicos, na primeira semana, não davam esperança nenhuma. Casos como o de Maggie são difíceis, eles davam entre 70% e 80% de chance de ela morrer. Ficou dois meses e meio entubada.

“Hoje vendo as histórias parecidas, vejo que é um milagre”, acredita Ana Paula. O nascimento “resolvido” foi só a primeira das batalhas de Maggie.

Infecção generalizada

Antes de completar 1 kg, a menina passou por uma cirurgia cardíaca. A primeira de quatro operações a que seria submetida antes de conhecer sua casa. Quando estava prestes a receber alta, após quase quatro meses de internação, os médicos notaram que ela tinha uma hérnia. Exposta às possibilidades de contaminação promovidas pela longa permanência em ambiente hospitalar, a bebê contraiu uma forte bactéria durante a cirurgia, que causou meningite e septicemia, que é a infecção generalizada. As médicas que havia meses lutavam pela paciente deram a notícia com lágrimas nos olhos e todas as letras: desenganada.

“Todos os médicos e as enfermeiras da UTI neonatal foram maravilhosos, eles salvaram a vida dela. No dia em que foi detectada a meningite bacteriana, a médica tinha decidido não deixar o hospital antes de conseguir fechar um diagnóstico”, conta. “Aí o mundo caiu. A gente estava finalmente pronto para levar ela para casa e de repente vem essa notícia”.

Dois dias depois de detectada a meningite, Maggie foi diagnosticada com infecção generalizada. “Essa mesma médica que atendeu quando ela nasceu me deu a notícia. Ela foi sincera comigo, disse que estava desenganada. Ela ia falando, e a outra médica chorando, as enfermeiras chorando, eu olhava e as enfermeiras se escondiam de mim.” Habituada a contrariar a lógica, no entanto, a bebê respondeu ao tratamento e em alguns dias ela já estava fora do risco da infecção. “Nunca esqueço o que disse uma das enfermeiras: ‘Foi tanta mulher rezando que Deus se encheu e resolveu atender’”, brinca Ana Paula.

A parte difícil veio depois

Por causa da meningite, Maggie passou por duas cirurgias para colocação de uma válvula no cérebro. O processo acrescentou mais dois meses ao tempo de internação. E ela finalmente teve alta. “A médica nos procurou e disse: 'Vocês estão levando para casa uma bebê perfeita´”, conta Ana Paula. Mas deixou claro que ela precisaria de um acompanhamento mais próximo do que teria uma criança nascida após uma gestação completa e sem surpresas. “Pensei que enfim ia respirar aliviada, porque ia com ela para casa. Mas a parte difícil veio depois.”

Sabendo que o acompanhamento médico de Maggie teria que ser intenso e que a existência de sequelas futuras era incerta, Ana Paula enfim levou a filha para casa. “Foram 15 dias de folga sem ir a médico, hospital, só curtindo a vida normal. Depois desse tempo, era hora de começar”, diz, referindo-se à maratona de cuidados e exercícios para garantir que a filha se desenvolvesse da melhor forma possível. “Aí é uma segunda etapa, e eu acho que é pior que hospital. Porque no hospital você tem um médico ali te explicando, você confia na equipe. Sozinha, eu tinha que lidar com o medo de que qualquer espirro fosse algo grave e encontrar profissionais em quem confiasse.”

“Os neuropediatras tiravam toda minha esperança, me colocavam no chão. Diziam que não sabiam se ela ia andar, falar”, conta. “Eu pensava que se ela não andasse nem falasse seria amada do mesmo jeito. O que eu não podia era cruzar os braços e não fazer nada esperando ver o que ia acontecer. Quando nada é certo, tudo é possível.” Nos meses seguintes, nas palavras da própria Ana, ela virou uma “maluca”, pesquisando tudo que encontrava sobre estimulação precoce de bebês e levando a filha para sessões diárias de tratamentos na AACD e Uniban. Para dar conta de tudo, teve que parar de trabalhar. Ela e a menina se alimentavam no carro, nos deslocamentos entre fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, hidroterapia. O processo ficou ainda mais complicado quando ela se mudou para Campos do Jordão, no interior de São Paulo, e dirigia até a capital para continuar a reabilitação, já que todo o tratamento de Maggie, desde o nascimento até a fisioterapia, foi feito em São Paulo. “Foram muitas pessoas maravilhosas, isso não dá pra esquecer.”

Além do contato com os profissionais, Ana Paula diz que aprendeu muito nos meses que passou frequentando os centros de reabilitação. “Você aprende que as pessoas podem ser diferentes. Por que todo mundo tem que ter o mesmo tamanho, o mesmo formato, o corpo perfeito? Conheci crianças maravilhosas na AACD, crianças superinteligentes, que vão à escola, às vezes de cadeira de rodas, andador. Então você se pergunta: o que é que tem de mais ser diferente? Tenho muito respeito por essas mães de casos mais graves, que passam uma vida se dedicando à reabilitação deles. Porque passar por isso e ver que seu filho está tendo progresso é difícil no começo, depois você se empolga. Mas ir um ano, dois, numa luta sem fim?”, reflete.

Ana diz que, já na época, quando Maggie tinha cerca de sete meses, seu desenvolvimento era praticamente normal, tendo como única exceção um pouco menos de tônus na perna esquerda. “Minha preocupação não era tanto motora e sim cognitiva. Eu pensava que, se ela não andasse, não seria o fim do mundo. Mas se tivesse problemas na parte cognitiva, podia ser dependente a vida inteira. E como seria quando eu morresse?”, confessa. Nenhuma das avaliações dos médicos indicava sequelas nessa área, mas havia muito que ainda não podia ser determinado.

“Não queria deixar passar a fase de maior plasticidade do cérebro, então decidi estimular a parte cognitiva. Eu não fazia mais nada da vida: levava pra fisioterapia, chegava em casa, ia pegar livrinho, pegar foto da família, ficava falando nome, mostrando. Quem ajudou muito nessa parte foi o irmão, que faz umas brincadeiras que eu não sabia fazer, sempre foi espontâneo. Ele foi o grande estimulador da parte cognitiva dela, ensinou um monte de coisa errada”, elogia. “Decidi apostar todas as nossas fichas no desenvolvimento dela. E acho que valeu a pena.”

Irmãzinha

A evolução de Maggie foi tão boa que a própria mãe se sentiu segura de interromper as sessões antes mesmo de a filha andar. "Estava muito cansativo para ela, e eu via que ela estava prestes a andar. E andou na semana seguinte ao fim do tratamento", diz. “O relatório final hoje de diagnóstico dela é paralisia cerebral leve, à esquerda, que, olhando, você não percebe. Ela anda, fala, corre, não corresponde à ideia que as pessoas fazem de paralisia cerebral. Na prática, significa que ela tem até hoje a perna esquerda um pouquinho mais dura. E foi essa a sequela que ficou de tudo que ela passou”, conta Ana Paula. “Vai à escola, as professoras nunca perceberam nada diferente. Ela está normal com a classe. Observando crianças da mesma idade, acho que faz as mesmas coisas, não é nem mais nem menos inteligente.”

“Agora que a outra nenê vai nascer, meu marido queria ir lá no obstetra da Maggie e mostrar pra ele o que é um bom pré-natal. Mas não vale a pena”, diz. Ana Paula, agora com 40 anos, vai dar à luz no próximo dia 1º, uma semana antes do Dia das Mães. Maggie vai ganhar uma irmãzinha, Emily. Desta vez, a gestação de Ana Paula transcorreu sem sustos. “Resolvi contar minha história porque é uma oportunidade de alertar as mulheres sobre o pré-natal, procurarem um bom médico, verem se é cuidadoso”, afirma.

Quando ficou grávida de novo, Ana Paula marcou consultas com cinco médicos para escolher um novo obstetra. “Por sorte, gostei já da primeira. Na primeira consulta ela ficou uma hora e meia comigo, quis saber até das gestações da minha avó, pediu um monte de exame, enfim, fez tudo o que o outro não fez. Começou a tratar como gravidez de alto risco desde o começo e, com os cuidados, não tive nenhum problema”. Ana Paula é só elogios para a nova médica: "Além de tudo, ela é muito humana, e isso faz toda diferença".

A mãe acha que a chegada da nova filha será ótima tanto para Maggie quanto para a bebê. “Está com um pouco de ciúme, está acostumada a ser o centro das atenções”, diz. Apesar de pequenininha, Maggie é hoje uma criança que a mãe define como “superssegura, até demais”. “Acho até que ela anda batendo nos meninos da escolinha”, diverte-se. “A criança prematura extrema fica muito resiliente, eles acham que podem tudo, sobreviveram a tudo. Os pais têm até que saber colocar limite.”

No primeiro dia de aula, Maggie foi para a escola carregando uma mochila e uma lancheira “que eram praticamente do tamanho dela”. Segundo Ana Paula, os outros pais esperavam que aquela coisinha fosse abrir o berreiro na hora de se separar da mãe, como acontece com tantas outras crianças. “Mas ela me deixou e entrou sozinha naquele corredor enorme, não olhou nem para trás. Os outros pais começaram a dar risada”, conta. “Ela realmente é muito dona de si. Acho que Campos do Jordão vai ser pequeno para ela”.