06/03/2010 - 11h10
Nesta próxima segunda-feira, o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais vai relançar o “Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Epidemia de Aids e outras DSTs”. O lançamento da versão revisada do projeto acontece no Dia Internacional da Mulher e, de acordo com o diretor-adjunto, Eduardo Barbosa, isso ocorreu para reaproveitar o plano. “No primeiro plano tínhamos as metas estabelecidas e, de fato, apresentava algumas distorções”, conta. A primeira versão foi publicada em 2007.
Na entrevista, o gestor também comenta sobre as metas que não foram atingidas.
Agência de Notícias da Aids (AA) - Por que o plano está sendo relançado agora no dia 8 de março?
Eduardo Barbosa (EB) - O plano foi revisado depois de uma primeira versão feita em 2007, pois sofreu ao longo do tempo uma série de discussões, tanto na esfera da aids como também para outras políticas multissetoriais. Hoje, o plano passou por um processo de consulta pública e pactuação com outros setores do governo e da sociedade para ser reaproveitado. É um método mais adequado e objetivo para cada um dos setores participarem.
AA - Isso ajudaria a deixar as metas mais objetivas e indicaria quais são os gestores que deveriam executá-las?
EB - No primeiro plano tínhamos as metas estabelecidas e, de fato, apresentava algumas distorções. Esse processo de revisão também serviu para readequar e colocar nos devidos lugares aquilo que temos hoje na área de política de mulheres, no enfrentamento da epidemia para uma resposta efetiva nesses setores. As metas têm que existir e cada um dos setores deve cumpri-las.
AA - O Sr. Falou sobre distorções de algumas metas, poderia citar algum exemplo?
EB - Um exemplo é em relação às escolas. Há a meta para ampliação de 17 para 50% as escolas da rede pública que disponibilizam preservativos. Essa era uma meta que seria irreal porque no momento da concessão não tinha 17 por cento das escolas com distribuição de preservativos. Esse foi um dos ajustes necessários.
AA - No plano temos uma meta que se refere à redução da transmissão vertical de 4 para 1%, mas já fomos informados pelo Departamento de Aids que será feito um novo estudo para avaliar esses dados, o Sentinela Parturiente...
EB - Esse estudo está em vias de início e é a partir dele que teremos esses dados...
AA - Ainda não há nenhum indicativo sobre esses dados (prevalência da transmissão vertical)?
EB - Não há como precisar, pois precisamos de um novo sentinela parturiente para exatamente estabelecer onde estamos e queremos chegar.
AA - O Plano de 2007 fala em aumentar de 35% para 70% a proporção de mulheres que relataram já terem sido testadas para o HIV, mas esse índice ainda é de 48%, segundo informações que obtivemos do Departamento. O que falta para que as mulheres procurem mais a testagem?
EB - Temos feito todo o trabalho especialmente relacionado à prevenção do HIV junto às parturientes. No pré-natal tem dado bastante resultado. Hoje, grande parte da testagem com mulheres se refere exatamente bastante ao que acontece nos serviços de saúde. O que falta é o mesmo para toda a comunidade: todas as pessoas que se expõem e estão em situação de vulnerabilidade procurarem um serviço de saúde para conhecer seu estado sorológico. Falta motivação a essas mulheres diante de uma epidemia apresentada no Brasil em um patamar alto de novas infecções e de mortalidade. As mulheres precisam ter consciência e buscar a informação e a testagem independente da questão gestacional. Além disso, é necessário trabalhar com várias questões da violência contra a mulher, para que ela possa encontrar no serviço de saúde um lugar onde ela seja acolhida e possa conhecer não só a sorologia para HIV, mas também outras questões, como hepatites.Atualmente, buscamos incentivar as mulheres para procurarem a testagem. É um trabalho muito mais integrado com a saúde da mulher.Vamos lançar nos próximos dias uma ação junto ao Bolsa Família. Queremos oferecer, dentro desse conjunto de ações chaves do Ministério de Desenvolvimento Social, ações voltadas para as mulheres na questão de saúde: oferta do preservativo, disponibilização de locais para testagem e outras medidas de prevenção. É uma parceria com outros ministérios e outros setores, para ampliar a chegada da mulher aos serviços.
AA - Outro dado é que o índice de 70% das mulheres que fazem exame ginecológico preventivo continua estacionado, mas a meta previa aumento para 90%. Por que isso acontece?
EB - Esse dado foi colhido na PCAP (Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas da População Brasileira) de 2004 e na de 2008 aparece estável. Não tenho como dizer por que não ampliou, temos um trabalho intensificado nas maternidades para que haja uma ampliação da oferta e da realização dos exames. Mas isso depende muito do que cada serviço de saúde está oferecendo nesse País. Determinadas questões extrapolam a competência das coordenações de DST/aids, como também do próprio Ministério da Saúde. A atenção com as mulheres depende, em grande parte, colocar nas agendas, nas várias áreas de governo, nas três esferas, para que elas tenham uma ação integrada.
AA - Aproveitando o assunto, algumas ativistas ouvidas a respeito do plano relatam falta de integração, sensibilização dos gestores fora da área de aids e de orçamento específico. O senhor concorda com essas críticas?
EB - Parcialmente. Temos nesse País gestões e gestões, compromissos e não compromissos. Hoje o Brasil é um país extremamente diverso. Temos ainda sim dificuldades com que a agenda pactuada nacionalmente nas esferas de decisão do SUS, em conjunto com Conass e Conasems, para que a decisão pactuada na esfera federal possa ser concretizada nas esferas estaduais e municipais. Concordo que dentro das políticas públicas existe a necessidade de maior integração e trabalho conjunto das áreas. O esforço do Departamento tem sido nesse sentido. Temos uma equipe exatamente em busca dessa integração na esfera federal, com atuação nas esferas estaduais e municipais para reverter esse quadro. A proposta de revisão e consulta do Plano tem esse objetivo. É para adequá-lo às realidades de cada localidade e ao mesmo tempo repactuar com os parceiros, seja governo ou sociedade civil, as metas que desejamos atingir.
AA - Essa revisão que será apresentada no dia 8 prevê o que as ativistas pedem, por exemplo, orçamento específico e atribuições específicas de cada secretaria ou gestor?
EB - O Plano é muito mais político no sentido do estabelecimento de determinadas diretrizes e metas. Entendemos que na medida em que a gente coloca uma relação das ações necessárias, é preciso colocar orçamento para cumpri-las. Então se os nossos parceiros e nós mesmos estamos nos comprometendo com determinadas metas, para que elas aconteçam será necessário que cada um dos envolvidos coloque recursos.
AA - O Plano de 2007 previa uma meta de aquisição de 10 milhões de preservativos femininos. A gente teve informações de que a última compra foi de 4 milhões de unidades. Foi feita alguma aquisição anterior para atingir esse número?
EB - Na realidade não. Em relação a essa meta, temos problemas com a própria aceitabilidade do preservativo feminino. Existe também a questão em pesquisar para saber efetivamente qual é a indicação, estimativa e necessidade das mulheres. Estudos anteriores mostraram que não existe aceitabilidade por parte da mulher com o preservativo feminino. Pode ser que isso se reverta. No próximo Plano, precisamos, primeiro, estudar melhor qual é a necessidade e a aceitabilidade da mulher em relação ao preservativo feminino para ampliar a compra. Não adianta adquiri-los e eles ficarem estocados. As 4 milhões de unidades de preservativo feminino são suficientes para os trabalhos pontuais em cada secretaria de saúde, junto a públicos específicos de mulheres, sejam elas vivendo com HIV, profissionais do sexo... É um quantitativo que atende as necessidades apresentadas pelos estados e municípios. Não ampliamos a aquisição desse insumo exatamente porque não houve apresentação de uma necessidade maior até agora.
AA - Existe algum indicativo que explica por que existe essa falta de aceitabilidade por parte das mulheres?
EB - Foram pesquisas realizadas por volta de 2003, 2004 e 2005, e indicaram dificuldade na colocação. Não é como o preservativo masculino que você vai colocar na hora do ato sexual. Tem que ter toda uma preparação, não é tão simples como você durante o ato pegar o preservativo e colocar. O manejo dele é diferente. Ao mesmo tempo, a própria questão de como ele é. Tanto um modelo como o outro apresentam argola, que é desconfortável, segundo as mulheres. Uma série de questões foi apresentada e mostrou essa não aceitação. Porém, isso também não é generalizado. Diante desses estudos, entramos em contato com os desenvolvedores de novas metodologias e apresentar propostas para mudar esse formato, esse jeito do preservativo feminino. Não é uma questão conclusiva porque para isso é preciso ser feito um estudo muito mais amplo. Nessa questão do preservativo, de qualquer maneira, elas reportam que usam, mas o masculino. Hoje tivemos uma ampliação no acesso a esse insumo de prevenção, inclusive com meninas jovens na primeira relação. Então, em todos os estudos que temos efetuado, principalmente através do PCAP, isso aparece. Não é por conta do não acesso ao preservativo feminino que elas deixam de usar. O masculino está sendo uma estratégia da própria mulher para ter sua autonomia sexual.
Por Rodrigo Vasconcellos